SALTO ALTO

  Eu a via, todos os dias. Chegava ao trabalho, cabelo amarrado, muito bem escovado. Terninho apertado, salto alto.
  Toda educada me cumprimentava, dizia "Bom Dia", sorria e saía. Lá eu ficava e a desejava noite e dia.
  Na sala ao lado, morava o pecado, grande sedução. Pensava: "Não posso, eu tenho família. Vai dar confusão". Vai ver nem ela queria, apenas sorria, como pra todos ali. Mas em meus pensamentos e num sonho curto, nua eu a vi.
  No trabalho já não rendia, em casa era uma agonia, a desconfiança já havia se instalado. Não comia direito, fumava o dia inteiro e ela ali ao meu lado.
  Ouvia o barulho do seu salto alto e me arrepiava, queria tê-la muito mais perto, quem sabe lá em casa? Ela passou por mim, na hora do almoço, deixou um bilhete com seu telefone dentro do meu bolso.
  Não resisti, liguei. No restaurante a encontrei. A noite estávamos juntos num casarão, disse pra família que tinha plantão. Naquela noite descobri a magia do calçado, a olhei de cima em baixo, não havia roupa alguma só o salto alto.
  Chegando em casa, a mulher me esperava na sala. No rosto, fúria visível, nas mãos, uma mala. Havia ligado no escritório, chamou várias vezes e caiu. Resolveu ligar para meu chefe e, ele, logo me desmentiu.
  Dormi num hotel e fui trabalhar, queria encontrar minha doce sedução. Foi tão diferente, não me deu "bom dia", na mesa estava minha demissão.
  Daí em diante não sei quem eu sou, a secretária inimiga nunca mais me procurou. Daquele desejo incontrolável só ficou a lição, minha vida acabou por uma falsa ilusão, só me resta a dor daquele salto cravado no meu coração.